Tete, a "galinha" que não dá ovos para todos

Ao circular pela capital de Tete, salta à vista o desnível entre as actividades dos grandes empreendimentos e as dos cidadãos. A maior parte das pessoas depende do pequeno comércio, o que denuncia a fraca ligação entre as partes. Tudo porque falta dinheiro e sobretudo know how para dar o pontapé de saída.

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Face a essa discrepância, o Governo e o sector privado são chamados a acelerar o passo na definição de estratégias de apoio aos nacionais. A actividade económica na província de Tete está ao rubro. O roncar das máquinas ouve-se um pouco por toda a parte, desde as pedreiras às minas de carvão e da exploração de outros recursos naturais. A cidade capital começa a responder à demanda de pessoas vindas de vários destinos com a construção de novos condomínios e residências, de vias de comunicação e demais infraestruturas de expansão dos serviços de água, electricidade e telecomunicações ­- tudo para galvanizar o crescimento daquele que é considerado o celeiro do país. Por lá, tudo parece bem, a avaliar pela presença de uma das maiores reservas de carvão do mundo; de vários outros minérios que incluem o ouro, ferro e fluorite; da barragem Hidroeléctrica de Cahora Bassa – um empreendimento cujo destaque em África e no Mundo é inegável – e do potencial turístico que se vaticina.

Mas as oportunidades, criadas pelos recursos e pela dinâmica da actividade produtiva, ainda estão, infelizmente, longe do acesso dos cidadãos locais. O desenvolvimento ainda é um assunto notoriamente de alcance macroeconómico. Ao circular pela cidade de Tete, que também ostenta o nome da província, salta à vista um cenário de grande desnível entre a actividade dos grandes empreendimentos e a desempenhada pelos cidadãos, denunciando desde logo uma fraca ligação entre as partes. Uma percentagem considerável das pessoas ainda depende do pequeno comércio, sendo que as bancas de reduzida dimensão sustentam diversos agregados familiares. Sobressai a noção de que ali não se padece da falta da noção de riqueza, uma vez que a mesma lateja mesmo debaixo dos pés daquela gente. O problema é que os locais vivem diariamente de mãos atadas por não saberem como chegar até ela. Aliás, as comunidades revelam-se incapazes de desenvolver iniciativas empreendedoras rentáveis. Nos campos agrícolas, a situação é a mesma. A produção serve, quase exclusivamente, para assegurar a subsistência familiar. Em geral, os grandes projectos ainda não se assumem como um mercado para a produção local, exceptuando o caso particular da Rio Tinto, mineradora que apoia a comercialização agrícola. A capital esteve recentemente lá e questionou aos residentes da cidade de Tete sobre a possibilidade de aproveitar o pulsar da economia e abraçar alguma actividade mais rentável. A resposta foi óbvia: Todos, absolutamente todos, querem produzir ou prestar serviços aos grandes projectos em curso naquela parte do país, mas falta-lhes dinheiro para dar o pontapé de saída.

Problema é estrutrural

As ligações entre as empresas nacionais e os megaprojectos que operam no país estão entre as maiores preocupações da iniciativa privada e do Governo. As dificuldades existentes incluem a ausência de garantias para aceder ao financiamento, as altas taxas de juro do mercado financeiro e, principalmente, a necessidade de obter standards que possibilitem o fornecimento de bens e serviços com o nível desejável de qualidade, e de consciencializar e formar as pessoas para a gestão dos seus negócios. Vontade existe, não existe é suporte financeiro e know how suficientes. “Se pudesse, começava um negócio de venda de comida e de lavandaria para a Vale ou Rio Tinto. Creio que mudaria de vida, teria muito dinheiro. Com o que faço actualmente, ganho entre 80 e 150 meticais diários, muito aquém das minhas necessidades”, revelou Gonçalves Madeira, proprietário de uma pequena banca de produtos de baixo custo. Sérgio Silva, gerente de um restaurante, também gostaria de ajustar o leque dos seus serviços ao nível dos grandes projectos, e de adicionar aos mesmos os serviços de limpeza, mas ao mesmo tempo se queixa que o investimento inicial exige vários milhões de meticais. “Dinheiro que não é possível suportar, como garantia, com os bens que temos”, explica. Em comum, os tetenses mantêm o sonho do Governo de criar condições para que um dia aqueles recursos os beneficiem. Mas, o percurso afigura-se longo e complexo, uma vez que a exploração já começou e há quem já se tenha antecipado. Uma empresa francesa ganhou, recentemente, um contrato de 50 milhões de dólares para prestar serviços de catering e de lavandaria à brasileira Vale. Um rude golpe nas expectativas dos empreendedores nacionais. Entretanto, Governo e sector privado ainda andam à procura de fórmulas eficazes para colocar os megaprojectos ao alcance dos moçambicanos, mas Tete assemelha-se cada vez mais à Galinha que não dá ovos de ouro aos nacionais. As multinacionais já manifestaram abertura para dar mercado aos projectos nacionais mas, ao mesmo tempo, “chutaram a bola” para o nosso campo.

Tete, o Eldorado

O potencial de Tete transforma a província num Eldorado, não só de cidadãos nacionais vindos das restantes províncias do país, sobretudo de Maputo, mas também de países vizinhos e de outras paragens do mundo. Em Tete vê-se, principalmente, zimbabweanos, zambianos, malawianos, portugueses e brasileiros. A Capital constatou que nem todos chegaram a Tete com uma visão perfeitamente clara sobre o que pretendiam fazer. Avançaram movidos pela esperança de conseguir “um bom emprego”, como nos foi revelado por Júlio Mavota, um jovem maputense de 30 anos. E pouco mais… A força laboral prestada pela maior parte destes jovens, nacionais e estrangeiros, é sobretudo absorvida pelas obras de construção em curso, ao longo da província. Já nas minas, trabalham profissionais com formação no sector, entre moçambicanos, brasileiros, portugueses, e trabalhadores de outras nacionalidades. Distante das minas e da actividade produtiva do dia-a-dia, eis que surge uma magnífica paisagem no Zambeze, mais concretamente na albufeira de Cahora Bassa. Trata-se de uma atracção turística a ter em conta para efeitos de rentabilidade (quanto mais não seja destinada aos turistas motivados pelas missões de serviço ou pelos negócios), numa região que alberga também um dos maiores empreendimentos do continente e do mundo: a Hidroeléctrica de Cahora Bassa. O relevo, a fauna e a vegetação de Tete – com o incontornável embondeiro, são de tirar a respiração a qualquer um, mas o desejo pelos quais os empreendedores mais suspiram é conseguir produzir, comercializar ou prestar serviços aos megaprojectos e ‘ganhar o seu lugar ao sol’.


In revista Capital de Agosto

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